Sim. O artigo 227, § 6º da
Constituição do Brasil diz que os filhos, havidos ou não da relação do casamento,
ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
O legislador constituinte originário consagrou o
princípio da igualdade entre os filhos.
Modernamente é muito importante considerar o afeto,
pois este é inegável, e se encontra presente nas relações de parentesco ou não,
caracterizadas na relação entre os cônjuges e seus filhos, que se vinculam não
só pelo sangue, mas por amor e carinho.
O Código Civil de 2002 não trouxe um dispositivo
exclusivo da filiação socioafetiva, entretanto, trouxe no art.1593 a veiculação
de vínculos socioafetivos quando se refere ao parentesco natural ou civil que
resultar "deoutra origem", ou seja, está se referindo implicitamente
a paternidade socioafetiva, in verbis: art.1.593. O parentesco é natural ou civil,
conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
A presente discussão entre paternidade biológica e
socioafetiva ainda não está pacificada nos tribunais e divide especialistas.
Existem três correntes doutrinárias a respeito do
assunto.
Na primeira corrente, ou seja, os defensoes da
corrente biológica amparam-se principalmente no parágrafo 6º do artigo 227 da
Constituição, que diz: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou
por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação”. Os adeptos desta corrente, sustentam
que o dispositivo constitucional garante aos filhos, reconhecidos e não
reconhecidos, direito, inclusive, à herança.
O Superiro Tribunal de Justiça – STJ, decidiu que
uma mulher já adulta pode fazer investigação
para ter seus pais biológicos reconhecidos juridicamente, com todas as
consequências legais, anulando o registro de nascimento em que constavam pais
adotivos como legítimos. O que ficou conhecido como “adoção à brasileira”.
A segunda corrente, baseia-se especialmente em
jurisprudências firmadas em diversas cortes brasileiras que determinam a
prevalência do vínculo socioafetivo, justamente para evitar demandas de cunho
meramente patrimonial.
Já para terceira alternativa, que a mais rara, a da
“dupla
filiação”, em que se reconhece tanto a paternidade socioafetiva
quanto a biológica. Fato peculiar aconteceu no Estado de de Rondônia quando uma
decisão judicial determinou o registro de dois homens como pais de uma criança,
que deles recebe, concomitantemente, assistência emocional e alimentar.
Caso emblemático.
Atendendo parecer do Ministério Público de Rondônia,
por meio da Promotoria de Justiça de Ariquemes, o Judiciário estadual decidiu
pelo registro em certidão de nascimento, de dupla filiação paterna (biológica e
socioafetiva), de uma criança que, comprovadamente, reconhece os dois homens
como pais e deles recebe, concomitantemente, assistência emocional e alimentar.
É a primeira sentença desse tipo no país.
O parecer foi emitido pela Promotora de Justiça
Priscila Matzenbacher Tibes Machado, em ação de investigação de paternidade
cumulada com negatória da paternidade anterior - que era do companheiro de sua
mãe à época de seu nascimento, visando o reconhecimento em relação ao pai
biológico. Ocorre que o MP se manifestou pela dupla paternidade, ao analisar os
fatos e a ligação afetiva da menina com os dois homens.
Conforme é relatado na ação, o homem que registrou
a criança o fez sabendo que ela não era sua filha. Anos depois, a criança
descobriu sua ascendência biológica e passou a ter contato com o pai, mantendo,
contudo, o mesmo vínculo afetivo e "estado de posse de filha" com o
pai afetivo. A situação foi demonstrada em investigação social e psicológica
realizada pela equipe multiprofissional. Como a criança declara expressamente
que reconhece e possui os dois pais, a Promotora de Justiça se manifestou contrária
ao deferimento da exclusão de paternidade, requerendo a manutenção do pai atual
e a inclusão do biológico, detalhando-se na parte dispositiva da sentença a
situação real.
De acordo com a sentença, proferida pela Juíza
Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, a criança poderá efetivamente se
socorrer dos dois pais, impedindo que a vontade do maior em ser pai apenas
quando lhe convém, se sobreponha a toda a verdade e formação de identidade da
criança ao longo dos anos de convivência.
Para a Juíza, ficou evidente que a pretensão da
declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai afetivo
partiu de sua mãe, que na tentativa de corrigir 'erros do passado', pretendia
ver reconhecida a verdade biológica, sem se atentar para o melhor interesse de
sua própria filha.
Ela destacou ainda que o pai afetivo não manifestou
interesse em negar a paternidade, tanto que em contato com a criança disse que,
mesmo sem ausência de vínculo de sangue, a considera sua filha. (Fonte: Ministério
Público de Rondônia)
Um dos casos mais emblemáticos da controvérsia é o
que envolve a herança do fundador da
joalheria H. Stern. No ano passado, dois irmãos cariocas decidiram
entrar na Justiça após terem comprovado, por exame de DNA, serem filhos do
criador da marca. Eles foram criados por outro homem e descobriram seu
verdadeiro pai depois de adultos.
Quando o caso veio à tona, os advogados da H. Stern
afirmaram que “apesar de o filho ter o direito de conhecer a sua verdade
biológica, o mero exame de sangue não pode prevalecer sobre o vínculo afetivo,
em desrespeito aos cuidados e amor recebidos de seu pai registral”. No
processo, a defesa apresentou exemplos de decisões favoráveis à tese, como a da
7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que afirma: “a
comprovação da filiação sócio-afetiva entre o investigante e seu pai registral
afasta a possibilidade de alteração do assento de nascimento do apelante, bem
como qualquer pretensão de cunho patrimonial”.
Já o advogado Flavio Zveiter, defensor dos dois
irmãos, contestou a jurisprudência apresentada, uma vez que seus clientes não
sabiam quem era seu verdadeiro pai. Ele disse que nos casos em que a
paternidade biológica fora rejeitada, os demandantes tinham ciência de quem
eram seus pais verdadeiros e pediram direito à herança anos depois de terem
ciência da paternidade biológica.
Nos aspectos empresarial e familiar, a decisão do
Supremo terá impacto direto em questões de sucessão, já que a legislação
determina que 50% da herança deve ser dividia entre os herdeiros legítimos,
enquanto os outros 50% são de uso livre pelo autor do testamento. O ponto
central será justamente definir se a categoria “herdeiros legítimos” aplica-se
aos filhos de pais biológicos ou apenas aos socioafetivos, ou a ambos. Com
informações da Assessoria de Imprensa do STF. (Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-jan-17/stf-decidira-disputa-entre-paternidade-socioafetiva-biologica).
No que se refere ao questionamento, quanto a qual
critério deverá ser adotado para solucionar possíveis conflitos existentes
entre as filiações biológica e socioafetiva, a jurisprudência dos nossos
tribunais, vem neste sentido:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA POSSE DE ESTADO DE FILHA - EFEITOS JURÍDICOS - INGERÊNCIA DO
ESTADO NA VONTADE DO CIDADÃO -DESBIOLOGIZAÇÃO DA PATERNIDADE – ADOÇÃO -
GARANTIA CONSTITUCIONAL DE IGUALDADE ENTRE OS FILHOS - NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.
O Estado não pode contrariar a vontade do cidadão, já falecido, que teve a
oportunidade de adotar a autora e não o fez, preferindo apenas cumprir com as
obrigações do pátrio poder que lhe foi outorgado judicialmente pela mãe
biológica, função que exerceu com brilhantismo. (TJMG, 8ª Câmara Cível,
Apelação Cível nº 10000.00.339934-2/00, Rel. Des. Sérgio Braga, J. 13/11/2003)
Diante disso se extrai que no entendimento do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, prevaleceu no caso em questão a filiação
socioafetiva, ou seja, os anos de convivência existente entre mãe e filha foram
capazes de superar os laços de sangue.
E, em resposta ao segundo questionamento, se ao pai
vencido deve ser reconhecido, ao menos, o direito de visita, o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, na Apelação cível nº
1.0024.07.803449-3/001, julgada em 31/01/2009, o Exmo. Sr. Des. Eduardo
Andrade, reconheceu o direito de visita ao pai sócioafetivo, in verbis:
AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO
SÓCIO -AFETIVO - PEDIDO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITA - PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
- POSSIBILIDADE.- Com base no princípio do melhor interesse da criança e no
novo conceito eudemonista socioafetivo de família consagrado pela Constituição
Federal de 1988, o direito de visita, que anteriormente era concebido apenas a
quem detinha a guarda ou o poder familiar da criança, deve ser estendido a
outras pessoas que com ela possuam relação de amor, carinho e afeto. Assim,
considerando que o requerente conviveu com o requerido, menor de idade, durante
cinco preciosos anos de sua vida, como se seu pai fosse, não se pode negar o
vínculo sócioafetivo que os une, advindo daí a fundamentação para o pedido de
visita.
Ainda, neste sentido, se extrai do art.3º do
Estatuto da Criança e do Adolescente que deve ser observado o melhor interesse
da criança, já que esta é detentora de proteção e, assim, considera-se o
interesse da criança como a forma adequada para dirimir possíveis conflitos
referentes às paternidades biológica e socioafetiva
.
Art.3º A criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.
Neste sentido, a paternidade biológica não é mais
que mera informação genética, devendo prevalecer a paternidade socioafetiva em
respeito, inclusive, as garantias e direitos constitucionais à dignidade da pessoa
humana.
Por fim, o legislador ordinário mandou bem no artigo 1.596, do Código Civil ao afirmar que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.