O direito tem
como uma das suas principais características a sua adaptação aos avanços da sociedade
e das tecnologias - embora a passos lentos – sendo influenciado pelas grandes
transformações da humanidade. Essas transformações exigem que o direito seja aberto,
sensível às mutações e que tenha aptidão para se estabelecer de forma eficaz,
regulando os conflitos de interesses existentes.
A evolução
da sociedade passa pelo reconhecimento dos direitos fundamentais, que pode ser
analisado metodologicamente através de quatro gerações de direitos.
Direitos de primeira geração: compreendem as liberdades
negativas clássicas, que realçam o princípio da liberdade. São os direitos
civis e políticos que surgiram no final do século XVIII e representam uma
resposta do Estado liberal ao Estado absoluto. Exemplos: o direito à vida, à
propriedade, à liberdade, à participação política e religiosa, entre outros.
Carlos
Frederico Marés de Souza Filho informa que o Estado Liberal individualista
pretendeu transformar todos os direitos em individuais. Assevera
que “a construção do Estado contemporâneo e de seu Direito foi marcada pelo
individualismo jurídico ou pela transformação de todo titular de direito em um
individuo”. Dado esse caráter, o Estado não reconheceu qualquer direito de
titularidade além do individuo: “o Estado nacional e seu direito individualista
negou a todos os agrupamentos humanos qualquer direito coletivo, fazendo valer
apenas os seus direitos individuais cristalizados na propriedade.
Os direitos de segunda geração: identifica-se com as liberdades
positivas, reais e concretas e acentuam o princípio da igualdade entre os
homens. São os direitos sociais. Exemplo: direitos econômicos e culturais.
O Estado
Social deixou de lado a omissão do Estado liberal para intervir na sociedade
como garantidor de novos direitos. Segundo Pedro Lenza, com o advento da
Revolução Industrial, surgiu uma “extraordinária alteração na estrutura da
sociedade, fazendo aparecer à figura da massa e, em seu bojo, os inevitáveis
conflitos de massa.”
Os direitos de terceira geração: consagram os princípios da
fraternidade e da solidariedade. São direitos que transcendem o indivíduo, que
não se restringem à relação individual, sendo designados como transindividuais.
Incluem o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, dentre
outros.
Norberto
Bobbio, ao analisá-los, dispõe:
Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda
geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que
constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente
heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se
trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o
direito de viver num ambiente não poluído.
É interessante
ressaltar que a essência dos direitos fundamentais de primeira, segunda e
terceira gerações correspondem ao lema da Revolução Francesa: Liberdade,
igualdade e fraternidade.
Direitos de quarta geração: Paulo Bonavides reconhece como o
direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Segundo o jurista, “deles
depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de
máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar no plano de todas as
relações de convivência.”
Os
direitos transindividuais se originaram de conflitos sociais instaurados no
último século, obrigando o reconhecimento e a proteção de direitos como a
educação, segurança, meio ambiente, saúde, dentre outros de natureza fluída,
cuja titularidade compete a todo cidadão.
Estão
situados entre o interesse público e o interesse privado, pois “embora não
sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais, porque são
compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas”. São interesses
que excedem o âmbito individual, mas não chegam a constituir interesse público.
O que
caracteriza os direitos transindividuais não é apenas o fato de serem
compartilhados por vários titulares individuais reunidos pela mesma relação
fática ou jurídica, mas também pela necessidade de substituir o acesso
individual à justiça por um acesso coletivo, solucionando o conflito
adequadamente e evitando insegurança jurídica.
Podemos
dizer que direito transindividual, também chamado de direito coletivo em
sentido amplo, é gênero que abriga três espécies ou categorias, conforme se
observa no artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor:
Parágrafo único. A defesa coletiva
será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos,
assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos
coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de
natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos
individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Segundo
esse diploma legal, os direitos ou interesses coletivos podem ser divididos em
direitos difusos, coletivos stricto sensu
ou individuais homogêneos.
Essas
categorias podem ser individualizadas por três critérios: grupo, objeto e
origem. O grupo faz referência à possibilidade de se individualizar os
titulares de determinado direito; o objeto, por sua vez, refere-se ao próprio
interesse e à sua condição de ser dividido aos indivíduos coletivamente
tratados; a origem, por fim, assinala a natureza do elo que torna comum o
interesse de determinado grupo.
Ada
Pellegrini Grinover, com maior clareza, apresenta as características que os
distinguem:
Indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto,
colocados no meio do caminho entre os interesses públicos e os privados,
próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa,
carregados de relevância política e capaz de transformar conceitos jurídicos
estratificados, com a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da
responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos. Como a legitimação, a coisa
julgada, os poderes e a responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o
próprio sentido da jurisdição, da ação, do processo.
Os
conceitos apresentados pelo Código de Defesa do Consumidor aplicam-se a
qualquer sorte de direitos transindividuais, não só aqueles relativos às
atividades de consumo. Ou seja, essa classificação também se aplica à ação
civil pública e às demais ações previstas no ordenamento jurídico.
Os
direitos metaindividuais ou coletivos em sentido amplo podem ser entendidos
como o gênero, do qual fazem parte os direitos difusos, os coletivos em sentido
estrito e os individuais homogêneos, conforme previsão na Lei 8.078/1990,
artigo 81, parágrafo único, incisos I, II e III (Código de Defesa do
Consumidor) e na Lei 7.347/1985, artigo 1º, inciso IV, e 21 (Lei da Ação Civil
Pública).
Os
mencionados direitos transindividuais são aptos a serem tutelados, assim, por
meio de ação civil pública ou ação coletiva.
Os direitos
difusos são conceituados como “os transindividuais, de natureza indivisível, de
que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato”
(art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/1990).
No direito
difuso, quanto ao aspecto subjetivo, seus titulares são pessoas indeterminadas;
quanto ao aspecto objetivo, o objeto do direito (bem jurídico) é indivisível.
Nessa modalidade de direitos coletivos, um mesmo fato dá origem ao direito
difuso, com as referidas características.
A indivisibilidade
do bem jurídico é facilmente constatada, pois basta uma única ofensa para que
todos os titulares do direito sejam atingidos. Do mesmo modo, a satisfação do
direito beneficia a todos os titulares indeterminados ao mesmo tempo.
No âmbito
trabalhista, pode-se exemplificar com a hipótese de pretensão no sentido de que
o ente público realize concurso público para a admissão de servidores e
empregados públicos, o que envolve interesse de toda a sociedade.
Os
direitos coletivos (em sentido estrito), por sua vez, são definidos como “os
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inciso II, da Lei 8.078/1990).
O objeto
dos referidos direitos é indivisível (aspecto objetivo), tendo como titular um
agrupamento de pessoas, as quais são determináveis (aspecto subjetivo), pois
serão todas aquelas que constituem o grupo. Por isso se verifica a “relação
jurídica base”, que liga todas as pessoas inseridas no grupo, categoria ou
classe.
No campo
trabalhista, cabe mencionar a hipótese em que certa empresa utiliza substância
insalubre em seu ambiente de trabalho, o que causa prejuízo à saúde do grupo de
empregados que ali presta serviços.
Os
direitos individuais homogêneos, por sua vez, são os “decorrentes de origem
comum” (art. 81, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.078/1990).
Deve-se
esclarecer que os mencionados direitos são, em sua essência, individuais. Por
consequência, possuem titulares determinados e objeto divisível. A
particularidade está em que muitas pessoas são detentoras, cada uma delas, de
direitos individuais substancialmente iguais (podendo cada titular ter
determinadas particularidades não exatamente equivalentes perante os demais).
Ainda assim, na essência, os direitos são os mesmos, daí serem “homogêneos”,
justificando a possibilidade de serem reunidos para a tutela por meio da mesma
ação coletiva, ganhando, assim, configuração metaindividual, pois envolvem
grupos de pessoas numa mesma situação.
Essa
homogeneidade de direitos decorre da “origem comum”. Como se sabe, a origem dos
direitos subjetivos são os fatos. Assim, direitos homogêneos são aqueles
direitos subjetivos que decorrem dos mesmos fatos.
Efetivamente,
há diversas situações em que, a partir de um mesmo fato lesivo, várias são as
pessoas atingidas de maneira uniforme, homogênea. Por isso, essas pessoas
passam a ser titulares, simultaneamente, de direitos subjetivos
substancialmente iguais, homogêneos. Tendo em vista essa particularidade, o sistema processual prevê a aplicabilidade
dos instrumentos pertinentes à tutela jurisdicional metaindividual, com o
objetivo de defendê-los de maneira mais célere e eficiente.
Ainda na
esfera trabalhista, pode-se exemplificar com situação em que a existência de
substância insalubre no local de trabalho gera aos empregados da empresa a
pretensão de recebimento do adicional de insalubridade.
Portanto,
a mesma situação de fato pode dar origem a direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos, conforme a causa de pedir e o pedido que são
apresentados na demanda.
Apesar do
acima exposto, deve-se frisar que, quando o caso envolve questões nitidamente
individuais, que dependem do exame de cada uma das hipóteses concretas,
com ausência de possíveis questões comuns, ou mesmo quando as questões
particulares prevalecem sobre as comuns, na realidade, não se observa a
presença de direito individual homogêneo.
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