quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O QUE SE ENTENDE POR DIREITOS METAINDIVIDUAIS OU TRANSINDIVIDUAIS?


O direito tem como uma das suas principais características a sua adaptação aos avanços da sociedade e das tecnologias - embora a passos lentos – sendo influenciado pelas grandes transformações da humanidade. Essas transformações exigem que o direito seja aberto, sensível às mutações e que tenha aptidão para se estabelecer de forma eficaz, regulando os conflitos de interesses existentes.

A evolução da sociedade passa pelo reconhecimento dos direitos fundamentais, que pode ser analisado metodologicamente através de quatro gerações de direitos.

Direitos de primeira geração: compreendem as liberdades negativas clássicas, que realçam o princípio da liberdade. São os direitos civis e políticos que surgiram no final do século XVIII e representam uma resposta do Estado liberal ao Estado absoluto. Exemplos: o direito à vida, à propriedade, à liberdade, à participação política e religiosa, entre outros.

Carlos Frederico Marés de Souza Filho informa que o Estado Liberal individualista pretendeu transformar todos os direitos em individuais. Assevera que “a construção do Estado contemporâneo e de seu Direito foi marcada pelo individualismo jurídico ou pela transformação de todo titular de direito em um individuo”. Dado esse caráter, o Estado não reconheceu qualquer direito de titularidade além do individuo: “o Estado nacional e seu direito individualista negou a todos os agrupamentos humanos qualquer direito coletivo, fazendo valer apenas os seus direitos individuais cristalizados na propriedade.

Os direitos de segunda geração: identifica-se com as liberdades positivas, reais e concretas e acentuam o princípio da igualdade entre os homens. São os direitos sociais. Exemplo: direitos econômicos e culturais.

O Estado Social deixou de lado a omissão do Estado liberal para intervir na sociedade como garantidor de novos direitos. Segundo Pedro Lenza, com o advento da Revolução Industrial, surgiu uma “extraordinária alteração na estrutura da sociedade, fazendo aparecer à figura da massa e, em seu bojo, os inevitáveis conflitos de massa.”

Os direitos de terceira geração: consagram os princípios da fraternidade e da solidariedade. São direitos que transcendem o indivíduo, que não se restringem à relação individual, sendo designados como transindividuais. Incluem o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, dentre outros.

Norberto Bobbio, ao analisá-los, dispõe:

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.

É interessante ressaltar que a essência dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações correspondem ao lema da Revolução Francesa: Liberdade, igualdade e fraternidade.

Direitos de quarta geração: Paulo Bonavides reconhece como o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Segundo o jurista, “deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar no plano de todas as relações de convivência.”

Os direitos transindividuais se originaram de conflitos sociais instaurados no último século, obrigando o reconhecimento e a proteção de direitos como a educação, segurança, meio ambiente, saúde, dentre outros de natureza fluída, cuja titularidade compete a todo cidadão.

Estão situados entre o interesse público e o interesse privado, pois “embora não sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais, porque são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas”. São interesses que excedem o âmbito individual, mas não chegam a constituir interesse público.

O que caracteriza os direitos transindividuais não é apenas o fato de serem compartilhados por vários titulares individuais reunidos pela mesma relação fática ou jurídica, mas também pela necessidade de substituir o acesso individual à justiça por um acesso coletivo, solucionando o conflito adequadamente e evitando insegurança jurídica.

Podemos dizer que direito transindividual, também chamado de direito coletivo em sentido amplo, é gênero que abriga três espécies ou categorias, conforme se observa no artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Segundo esse diploma legal, os direitos ou interesses coletivos podem ser divididos em direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos.

Essas categorias podem ser individualizadas por três critérios: grupo, objeto e origem. O grupo faz referência à possibilidade de se individualizar os titulares de determinado direito; o objeto, por sua vez, refere-se ao próprio interesse e à sua condição de ser dividido aos indivíduos coletivamente tratados; a origem, por fim, assinala a natureza do elo que torna comum o interesse de determinado grupo.

Ada Pellegrini Grinover, com maior clareza, apresenta as características que os distinguem:

Indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados no meio do caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capaz de transformar conceitos jurídicos estratificados, com a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos. Como a legitimação, a coisa julgada, os poderes e a responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o próprio sentido da jurisdição, da ação, do processo.

Os conceitos apresentados pelo Código de Defesa do Consumidor aplicam-se a qualquer sorte de direitos transindividuais, não só aqueles relativos às atividades de consumo. Ou seja, essa classificação também se aplica à ação civil pública e às demais ações previstas no ordenamento jurídico.

Os direitos metaindividuais ou coletivos em sentido amplo podem ser entendidos como o gênero, do qual fazem parte os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos, conforme previsão na Lei 8.078/1990, artigo 81, parágrafo único, incisos I, II e III (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei 7.347/1985, artigo 1º, inciso IV, e 21 (Lei da Ação Civil Pública).

Os mencionados direitos transindividuais são aptos a serem tutelados, assim, por meio de ação civil pública ou ação coletiva.

Os direitos difusos são conceituados como “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato” (art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/1990).

No direito difuso, quanto ao aspecto subjetivo, seus titulares são pessoas indeterminadas; quanto ao aspecto objetivo, o objeto do direito (bem jurídico) é indivisível. Nessa modalidade de direitos coletivos, um mesmo fato dá origem ao direito difuso, com as referidas características.

A indivisibilidade do bem jurídico é facilmente constatada, pois basta uma única ofensa para que todos os titulares do direito sejam atingidos. Do mesmo modo, a satisfação do direito beneficia a todos os titulares indeterminados ao mesmo tempo.

No âmbito trabalhista, pode-se exemplificar com a hipótese de pretensão no sentido de que o ente público realize concurso público para a admissão de servidores e empregados públicos, o que envolve interesse de toda a sociedade.

Os direitos coletivos (em sentido estrito), por sua vez, são definidos como “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inciso II, da Lei 8.078/1990).

O objeto dos referidos direitos é indivisível (aspecto objetivo), tendo como titular um agrupamento de pessoas, as quais são determináveis (aspecto subjetivo), pois serão todas aquelas que constituem o grupo. Por isso se verifica a “relação jurídica base”, que liga todas as pessoas inseridas no grupo, categoria ou classe.

No campo trabalhista, cabe mencionar a hipótese em que certa empresa utiliza substância insalubre em seu ambiente de trabalho, o que causa prejuízo à saúde do grupo de empregados que ali presta serviços.

Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, são os “decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.078/1990).

Deve-se esclarecer que os mencionados direitos são, em sua essência, individuais. Por consequência, possuem titulares determinados e objeto divisível. A particularidade está em que muitas pessoas são detentoras, cada uma delas, de direitos individuais substancialmente iguais (podendo cada titular ter determinadas particularidades não exatamente equivalentes perante os demais). Ainda assim, na essência, os direitos são os mesmos, daí serem “homogêneos”, justificando a possibilidade de serem reunidos para a tutela por meio da mesma ação coletiva, ganhando, assim, configuração metaindividual, pois envolvem grupos de pessoas numa mesma situação.

Essa homogeneidade de direitos decorre da “origem comum”. Como se sabe, a origem dos direitos subjetivos são os fatos. Assim, direitos homogêneos são aqueles direitos subjetivos que decorrem dos mesmos fatos.

Efetivamente, há diversas situações em que, a partir de um mesmo fato lesivo, várias são as pessoas atingidas de maneira uniforme, homogênea. Por isso, essas pessoas passam a ser titulares, simultaneamente, de direitos subjetivos substancialmente iguais, homogêneos. Tendo em vista essa particularidade, o sistema processual prevê a aplicabilidade dos instrumentos pertinentes à tutela jurisdicional metaindividual, com o objetivo de defendê-los de maneira mais célere e eficiente.

Ainda na esfera trabalhista, pode-se exemplificar com situação em que a existência de substância insalubre no local de trabalho gera aos empregados da empresa a pretensão de recebimento do adicional de insalubridade.

Portanto, a mesma situação de fato pode dar origem a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme a causa de pedir e o pedido que são apresentados na demanda.

Apesar do acima exposto, deve-se frisar que, quando o caso envolve questões nitidamente individuais, que dependem do exame de cada uma das hipóteses concretas, com ausência de possíveis questões comuns, ou mesmo quando as questões particulares prevalecem sobre as comuns, na realidade, não se observa a presença de direito individual homogêneo.

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