Questão
bastante polêmica. Pois bem, atualmente, com a utilização do exame de DNA,
consegue-se, com uma certeza praticamente absoluta, reconhecer o vínculo
biológico entre o suposto pai e o filho, bem como descobrir a autoria de crimes.
Por ser de
grande controvérsia na doutrina e na jurisprudência, falaremos sobre as duas
correntes.
Primeira corrente - Nemo tenetur se detegere
Origem
histórica. O
direito de não auto-incriminação é de origem muito antiga, porque fundado no
instinto natural de preservação (ou autoconservação). De forma bastante clara
pode-se afirmar que ele nasceu (na era moderna) como refutação (civilizadora)
dos horrores gerados pela inquisição (Idade Média), conduzida pelo absolutismo
monárquico e pela Igreja, que tinha na confissão a prova mais suprema (a rainha
das provas), podendo-se alcançá-la inclusive por meio da tortura. A cultura
civilizatória foi se posicionando gradativamente contra as atrocidades do
sistema inquisitivo (procedimento secreto, desrespeito ao sistema acusatório,
ausência de advogado, obrigatoriedade da confissão etc.), destacando-se nesse
papel crítico (denunciador), desde logo, o iluminismo e o seu prócer máximo,
que foi Beccaria (que dizia: com a tortura, enquanto o inocente não pode mais
que perder, porque se opondo à confissão e sendo declarado inocente, já sofreu
a tortura, o culpado, por seu turno, pode até ganhar, se no final resiste à
tortura e é declarado inocente).
O artigo
5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, diz que constitui direito do acusado
preso de permanecer em silêncio, ou seja, o preso será informado de seus
direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado, entretanto o âmbito de abrangência desta
norma é bem maior, tendo em vista que a maior parte dos doutrinadores considera
como a máxima que diz que ninguém será obrigado a produzir prova contra si
mesmo; então esse não é um direito para quem estiver sendo acusado
criminalmente, mas, antes a toda pessoa que estiver sendo acusada.
O direito de
permanecer calado é apenas a manifestação da garantia muito maior, que é a do direito
da não auto-acusação sem prejuízos jurídicos, ou seja, ninguém que se recusar a
produzir prova contra si pode ser prejudicado juridicamente, como diz o
parágrafo único do art.186 do código de processo penal: O silêncio, que não
importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Este
direito é conhecido como o princípio nemo
tenetur se detegere.
Art.186. Depois de devidamente
qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será
informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de
permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não
importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Esse
princípio também se encontra consagrado na convenção Americana de Direitos
Humanos, o Pacto De São José de Costa Rica, que assegura “o direito de não
depor contra si mesma, e não confessar-se culpada”.
As
expressões como “não se auto-incriminar”, “não se confessar culpado”, “direito
de permanecer calado” estão abrangidas pela noção do princípio nemo tenetur
se detegere.
Porém, alguns
doutrinadores defendem que o direito de não produzir prova contra si mesmo
também abrange o âmbito não processual, ou seja, ele pode ser exercido no
decorrer de uma investigação criminal ou em qualquer outra esfera não penal.
Esse
princípio abrange todo caso em que alguém estiver sendo obrigado a produzir
prova contra si mesmo, no âmbito nacional a utilização do bafômetro e da
realização do exame de DNA, são exemplos importantes.
Em relação
à questão do bafômetro, o condutor não pode ser obrigado a colaborar com a
autoridade competente no que diz respeito à utilização do bafômetro, pois isso
violaria o seu direito de não produzir prova contra si mesmo e qualquer prova
produzida nessas circunstâncias é ilícita.
Em relação
ao exame de DNA em caso de exame de paternidade também há a incidência desse
princípio e a recusa do réu de realizar o exame não pode ser interpretada como
presunção absoluta de paternidade, apesar da súmula 301 do STJ, mas antes à
presunção de paternidade resultante da recusa em submeter-se ao exame de DNA
deverão ser acrescidas outras provas, produzidas pela pessoa que entrou com a
ação.
Súmula
301/STJ. Família. Filiação.
Investigação de paternidade. Exame DNA. Recusa do suposto pai. Presunção juris tantum. CPC, arts. 332, 333, II e
334, IV. “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se
ao exame de DNA induz presunção juris
tantum de paternidade”.
Em outra
esfera, o Código de Trânsito Brasileiro sofreu alterações com o objetivo de
tornar mais rígidas as punições para quem for pego dirigindo sob efeito de
álcool.
Diante dos
exames acima especificados a polêmica existente entre a doutrina e a
jurisprudência, ou seja, no que tange a possível violação do princípio constitucional
do nemo tenetur se detegere.
Em tese,
pelo princípio do princípio nemo tenetur
se detegere, o Estado não poderá(ria) obrigar o acusado da prática de um ato
ilícito a produzir provas que venham a incriminá-lo.
Importante
dizer que, na audiência pública sobre a Lei Seca, realizada no Supremo Tribunal
Federal (STF) em 2012, a
maioria dos especialistas, parlamentares e pesquisadores ouvidos pelo Tribunal
foi favorável à manutenção da regra.
Nesse
diapasão, o próprio relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4103 é
favorável à obrigatoriedade do bafômetro. Para o ministro Luiz Fux, “Ficou
bastante claro que é absolutamente impossível esse binômio álcool e condução de
veículo. Ficou também patente que não há critério seguro de alcoolemia e, em
terceiro lugar, que é importantíssimo que o teste de bafômetro deve ser
obrigatório sob pena de se cometer uma desobediência, porque ele tem caráter
preventivo muito importante”.
Contudo, a
polêmica em questão ganhou ainda mais destaque quando a Procuradoria-Geral da
República deu parecer contrário à punição administrativa de motoristas que se
recusam a fazer teste de embriaguez ao volante. O documento emitido pela PGR
foi elaborado pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, com a
aprovação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Para o
Ministério Público, a regra deve ser derrubada porque é inconstitucional. “Não
se permite ao Estado compelir os cidadãos a contribuir para a produção de provas
que os prejudiquem”, alega Duprat.
Segunda corrente
Para
começar, passamos a analisar dois pontos importantes. O exame de DNA para
comprovação ou não da paternidade e o uso do bafômetro para determinar o teor
de alcoolemia em motoristas de veículos automotor.
Pois bem. Tendo
em vista os avanços tecnológicos se tem percebido que o exame do DNA passou a
ser, para muitos operadores do direito, condição sine qua non para a comprovação da paternidade, ao argumento de uma
certeza científica incontestável.
Entretanto,
não existe em nosso ordenamento jurídico lei que obrigue uma pessoa a fornecer
material biológico para exame de DNA. Aliás, nossa Constituição, em seu artigo
5º, II diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei.
Colisão
entre princípios
Conceito
de princípios sob a ótica constitucional
Nas
palavras de Miguel Reale, princípios são “enunciações normativas de valor
genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico,
quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”.
Os
princípios jurídicos podem ser definidos como sendo um conjunto de padrões de
conduta presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento jurídico. Os
princípios, assim como as regras, são normas.
Na opinião
da constitucionalista Cármen Lúcia Antunes Rocha, “O Princípio é o Verbo (...)
No princípio repousa a essência de uma ordem, seus parâmetros fundamentais e
direcionadores do sistema normado”.
Segundo
Espíndola, conclusão que se pode tirar da ideia de princípio ou sua
conceituação é que:
“seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a
estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia
mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as
demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam”.
A respeito
deles, observa Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Princípio- já averbamos alhures- é, por definição, mandamento nuclear
de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das
diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico
positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua
estrutura mestra.”
Regras
jurídicas
Canotilho
define as regras como “normas que, verificados determinados pressupostos,
exigem, permitem ou proíbem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção.”
Humberto
Ávila as define como “normas imediatamente descritivas para cuja aplicação
se exige a avaliação da correspondência entre a conceituação da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos.”
Regras são
normas jurídicas que obrigam, permitem ou proíbem algo, sendo que sua aplicação
depende da subsunção do fato ao que nela está descrito. Assim, ou o fato
corresponde à conduta descrita na regra e ela será aplicada e sua consequência
aceita, portanto válida, ou a regra não tem validade. (“all or nothing” de
Dworkin citado por Ávila).
Não
obstante os conceitos, os princípios que ditam os fundamentos, as razões das
regras. Assim, na interpretação e aplicação das regras devem ser analisados os
princípios que lhes dão suporte. As regras viabilizam os valores prescritos nos
princípios Exemplo: o duplo grau de jurisdição é uma regra que expressa o
princípio da segurança jurídica.
Distinção
entre princípios e regras
Tendo em
vista que as normas jurídicas podem se configurar como princípios e regras, é
necessário avaliar a diferença entre eles.
Segundo Luís
Roberto Barroso há uma diferença significativa entre princípios e regras, para
ele regras “são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas
condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações”.
A regra, pelo
mecanismo da subsunção deve incidir na hipótese prevista no seu relato,
enquadrando-se os fatos na previsão abstrata e produzindo uma conclusão, de
modo direto e automático, produzindo seus efeitos. Ou a regra regula a matéria
em sua inteireza ou é descumprida, na modalidade do tudo ou nada. Uma regra
somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for
inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor. Quando estas
entram em conflito só uma irá prevalecer.
Já os
princípios, “contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a
conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes
indeterminado, de situações”, comportando uma série indefinida de aplicações.
Os princípios devem ser aplicados mediante ponderação,
uma vez que frequentemente entram em tensão dialética. O intérprete, à vista do
caso concreto, irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na
hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na
medida do possível.
Segundo Robert
Alexy, a distinção entre princípios e regras torna-se evidenciada nos casos de
colisão de princípios e conflitos de regras, porquanto a maneira de
solucioná-los é diversa. No caso de conflito entre regras, quando não for
possível introduzir uma cláusula de exceção uma das regras será considerada
inválida, sendo expurgada do ordenamento jurídico, tendo assim uma dimensão de
validez. Na colisão de princípios, como só podem colidir princípios válidos,
acontece na dimensão do peso. Assim, quando dois princípios entram em colisão
um deles prevalecerá sobre o outro e isso não significa que o princípio
preterido deva ser declarado inválido, haja vista que sob determinadas
condições um princípio tem mais peso ou importância do que outro e em outras
circunstâncias poderá suceder o inverso.
Para que
se realize efetivamente a constatação da distinção entre princípios e regras
torna-se necessário a aplicação dos critérios da generalidade, do tudo ou nada,
do peso e da importância e qualitativa.
Critério
da generalidade
Tanto os
princípios quanto as regras possuem em comum o caráter de generalidade, no
entanto, a generalidade da regra jurídica é diversa da generalidade de um
princípio jurídico. Para Jean Boulanger, “um princípio jurídico é senão uma
regra jurídica particularmente importante em virtude das consequências práticas
que dele decorrem”. No entanto para ele há entre ambos além de uma desigualdade
de importância, uma diferença de natureza, verificando a diversidade de
generalidade demonstra Boulanger:
“A regra é geral porque estabelecida para um número indeterminado de
atos ou fatos. Não obstante, ela é especial na medida em que não regula senão
tais atos ou tais fatos: é editada para ser aplicada a uma situação jurídica
determinada”.
O
princípio, ao contrário, é geral porque comporta uma série indefinida de
aplicações.
Os
princípios possuem a generalidade em grau maior, haja vista que as regras
contêm relatos mais objetivos, com incidência restrita às situações específicas
às quais se dirigem. Já os princípios incidem sobre uma pluralidade de
situações, tendo em vista possuírem um maior teor de abstração.
A
conclusão é a seguinte: por serem mais direcionadas especialmente para certos
casos as regras são menos abstratas, menos gerais do que os princípios.
Já os
princípios contêm uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão
política relevante, indicando uma direção a ser seguida, não possuem aplicação
automática ao caso concreto, “não apresentam consequências jurídicas que seguem
automaticamente quando as condições são dadas.
Os
princípios possuem uma dimensão do peso e da importância ausentes nas regras,
podendo ser verificado quando dois ou mais princípios entram em conflito. Nessa
hipótese, a colisão seria solucionada levando-se em conta o peso ou importância
relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual(is) dele(s) no caso
concreto prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que os outros(s).
Princípio
da supremacia da constituição
Este
princípio trata que a constituição é norma que está acima de todas as outras e
têm seu fundamento associado ao fato de ser uma norma que funda o Estado, por
ser uma norma que não foi criada por um poder legislativo constituída,
secundária e sim por um poder constituinte, primário que estabelece as bases,
os fundamentos para a criação das outras normas sem qualquer limitação
normativa, haja vista ser possuidora de um poder supremo. Tem como característica
fundamentadora de sua autoridade suprema também o fato de ser classificada com
uma constituição rígida, no que se refere ao quorum exigido para que possa ser
efetivada alguma alteração em seu conteúdo.
Para
melhor compreensão sobre sua supremacia da constituição:
“Haja vista que, se o quorum de votação de uma lei fosse idêntico ao
exigido para a realização de emendas na Constituição bastaria qualquer
alteração no Código Civil ou Penal para que se revogassem disposições
constitucionais que dispusessem de forma contrária, já que não existiria
hierarquia entre elas, assim não haveria que se falar em inconstitucionalidade”.
José
Afonso da Silva assevera que “a rigidez constitucional decorre da maior
dificuldade para sua modificação do que para alteração das demais normas
jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência,
o princípio da supremacia da constituição”.
Por fim,
devido a essa supremacia, nenhuma norma infraconstitucional irá subsistir
validamente se for incompatível com a Constituição, ou seja, a Constituição é a
norma que está acima de todas as outras, donde estas retiram sua validade
formal e material sob pena de inconstitucionalidade e consequente expurgo do
ordenamento jurídico.
Sendo
assim, devido à essencialidade do princípio da proporcionalidade, uma vez que
este é o instrumento usado pelo aplicador do direito para viabilizar a técnica
da ponderação, será visto adiante suas propriedades com mais ênfase.
Princípio da proporcionalidade
O
princípio da proporcionalidade começou a ser estudado nos últimos duzentos
anos, e, atualmente, tem tido aplicação no campo do Direito no direito constitucional.
Para Paulo
Bonavides:
O princípio da proporcionalidade, enquanto princípio constitucional,
somente se compreende em seu conteúdo e alcance se considerarmos o advento
histórico de duas concepções de Estado de Direito: uma, em declínio, ou de todo
ultrapassada, que se vincula doutrinariamente ao princípio da legalidade, com
apogeu no direito positivo da Constituição de Weimar; outra, em ascensão, atada
ao princípio da constitucionalidade, que deslocou para o respeito dos direitos
fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica.
Este
princípio converteu-se em princípio constitucional, por obra da doutrina e da
jurisprudência, sobretudo na Alemanha e Suíça.
Na
Constituição Federal de 1988 este princípio esta configurado implicitamente e
pode-se vislumbrá-lo em diversos dispositivos, por exemplo: os inc.,V, X, XXV
do art. 5°; os inc. IV, V, XXI do art. 7°; § 3° do art. 36 e inc. IX do art. 37”.
Solução de colisão entre direitos
fundamentais pelo STF
Conforme
visto, ao ocorrer à aparente colisão entre dois princípios reconhecidos pelo
ordenamento constitucional, o de menor peso, de acordo com o caso concreto e
condições inerentes ao caso concreto, abdica do seu lugar ao de maior valor, em
uma "relação de precedência condicionada". É diferente do que ocorre
com os conflitos entre regras, não são estipuladas cláusulas de exceção, pois,
senão, estar-se-ia limitando o princípio constitucional para situações futuras,
quando poderá preceder frente a outros valores com os quais entre em colisão. Busca-se,
pelo princípio da ponderação, decidir, ante as condições do caso, qual valor
possui maior peso, devendo prevalecer na situação.
A
ponderação entre princípios constitucionais é tarefa das mais complexas e
importantes para a manutenção da ordem constitucional coesa. Por essa razão é
enorme a responsabilidade do Poder Judiciário, principalmente das Cortes
Supremas dos Estados, quando do controle da constitucionalidade de leis
restritivas de direitos, bem como da solução de tensões entre direitos
fundamentais amparados pela Constituição, colidentes no caso concreto.
Há
na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal alguns famosos casos onde foi
utilizada a ponderação entre princípios fundamentais, alguns dos quais serão
analisados nesse ponto do presente trabalho.
Exame de sangue forçado em
investigação de paternidade. Integridade física versus direito ao conhecimento
da paternidade
Um
caso presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no qual se utilizou
a ponderação entre princípios diz respeito a uma ação declaratória, de rito
ordinário, nele uma criança investigava a paternidade de seu suposto pai. O
Juízo da Segunda Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre
determinou a realização de exame de DNA, com o objetivo de resolver a
controvérsia. No entanto, o suposto pai se negou à colheita de sangue, sendo
determinada, por essa razão, a execução forçada da ordem judicial, decisão
mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Após
essa decisão, em razão do suposto pai estar na iminência de sofrer violência ou
coação em sua liberdade de locomoção, por decisão do Tribunal de Justiça, foi
impetrado o pedido de habeas corpus
ao Supremo Tribunal Federal, onde a questão foi analisada. Por uma maioria de
seis votos contra quatro, o Plenário do STF concedeu o habeas corpus, após tormentosos debates.
A
corrente não prevalente sustentou que o direito ao conhecimento da real
paternidade da criança deveria sobrepor-se ao da integridade física do pai.
A
corrente que prevaleceu liderada pelo voto do ministro Marco Aurélio entendeu,
porém, que o direito à intangibilidade do corpo humano não deveria ceder, na
espécie, para possibilitar a feitura de prova em juízo. Fica claro que,
no caso em analise, o que se ponderou não foi o direito da criança em conhecer
a identidade paterna versus a intangibilidade do corpo humano, o que se julgou
foi à necessidade de forçar um ser humano a dispor da integridade do seu corpo
para que se pudesse fazer prova em um processo judicial.
Para
alguns a decisão do Supremo não parece ser a mais acertada ao conceder habeas corpus para o pai não fazer o
exame de forma forçada, alguns entendem que o direito do filho em conhecer sua
verdadeira paternidade deveria prevalecer sobre o direito à integridade física,
que seria ferida de maneira mínima ao se realizar o exame de sangue.
Entretanto,
deve-se ficar claro, que o que se ponderou não foi o direito do filho em
conhecer a paternidade, e sim a obtenção de uma prova judicial de maneira
forçada ao direito do pai de manter a sua integridade física, posto que se
poderia obter a prova judicial de diversas outras maneiras.
Portanto,
parece acertada a decisão do Supremo em decidir pela não imposição de
realização do exame de DNA de maneira forçada nesse caso, em razão da
prevalência da integridade física sobre a necessidade de realização de prova
judicial.
Caso Glória Trévi.
Outro
caso que tomou enormes proporções pela divulgação na mídia nacional e
internacional é o suposto “estupro carcerário” sofrido pela cantora mexicana
Gloria Trevi. A cantora estava sendo investigada em seu país por envolvimento
em rumoroso escândalo sexual envolvendo abuso de crianças e adolescentes, em
razão disso fugiu para o Brasil, sendo presa em seguida.
A
cantora apareceu grávida quando estava sob custódia da policia federal
brasileira. Segundo a versão da suposta vítima, a gravidez foi decorrente de um
estupro praticado por policiais federais responsáveis por sua guarda. Os mesmos
policiais negaram enfaticamente sua participação no crime.
O
caso em tela colocava em risco a reputação das instituições brasileira,
considerando a possibilidade de agentes federais terem cometido tão absurdo
atentado, um crime hediondo como o estupro.
A
vítima, na ocasião, não representou os supostos autores criminalmente, não
podendo o Estado promover ação penal contra eventuais agressores da extraditanda.
Com
o objetivo de esclarecer a questão, os policiais federais requisitaram ao Poder
Judiciário brasileiro autorização para a coleta de material genético da
placenta da cantora mexicana, no momento do parto, para a realização de exame
de DNA com a finalidade de instruir o inquérito policial aberto para apurar das
acusações de estupro.
Tal
autorização foi deferida pela Justiça Federal brasileira, entretanto a cantora
ingressou com reclamação frente ao STF. A extraditanda era definitivamente
contrária à coleta de qualquer material a ser recolhido em seu parto. O supremo
foi, em parte, favorável à cantora por entender que a autorização só poderia
ser concedida por aquele Tribunal, em razão da extraditanda estar sob custódia,
aguardando o trâmite do seu processo de extradição.
Apesar
de haver acolhido a reclamação por usurpação de competência, no mérito, o
Supremo deferiu a realização do exame de DNA com a utilização do material
biológico da placenta retirada da cantora mexicana, utilizando a técnica da
ponderação dos valores constitucionais em colisão.
A
extraditanda utilizou de alguns precedentes em seu favor, afirmando que a Corte
Brasileira considera a realização do exame como uma lesão à intimidade e à
intangibilidade corporal, além de ser uma grave afronta à dignidade da pessoa
humana.
O
argumento apresentado a favor da cantora se pode afirmar que a “extraditanda
goza, enquanto pessoa humana e mãe, do direito exclusivo de autorizar ou não a
realização do exame material genético dela e de seu filho”. Considera-se ainda
que a apreensão de material à sua revelia é uma extrema invasão na sua
intimidade e vida privada, direitos estes protegidos pela Constituição Federal
em seu artigo 5º, incisos X e XLIX. Argumentos utilizados pelos advogados da
autora na citada reclamação.
Em
relação aos argumentos contrários a pretensão da autora da reclamação de não se
realizar o exame de DNA pode-se citar:
“o exame de DNA seria o único meio de esclarecer as
circunstâncias da gravidez e com isso apurar as responsabilidades
administrativas e penais; considera-se importante que os policiais federais que
se encontravam trabalhando e na custódia comprometeram-se espontaneamente a
fornecer material genético; a mídia deu contornos nacionais ao caso
questionando instituições brasileiras; há o interesse do outro país, México;
estão envolvidos 50 policias e 11 detentos e ex-detentos com o interesse de
buscar a verdade real em favor da defesa da honra e dignidade; o direito à
intimidade da extraditanda é numérica e substancialmente inferior dos 61
injustiçados e da criança acerca de sua paternidade; não há qualquer
procedimento invasivo na coleta da placenta, considerada como “lixo biológico”.
A
partir da análise dos argumentos, decidiu-se pela realização do exame de DNA
para se confirmar ou excluir a paternidade da criança pelos acusados, em
consequência apurar a ocorrência do suposto estupro, ao final, realizou-se o
exame e concluiu-se pela negativa da paternidade pelos policiais federais que
custodiavam a extraditanda, restabelecendo-se a honra desses cidadãos, concluiu-se
que o verdadeiro pai da criança era o namorado da cantora, muito embora a forma
como se deu concepção permaneça um mistério.
Assim, por
todo o exposto, tendo em vista a aparente colisão entre um direito fundamental
e um princípio constitucional, restou imprescindível o recurso ao método de
ponderação, diretamente relacionado aos princípios da unidade da Constituição,
da concordância prática e da razoabilidade, em busca de uma solução que não
eliminasse nem um nem outro.