Questão bastante polêmica. Pois bem, atualmente, com a utilização do exame de DNA, consegue-se, com uma certeza praticamente absoluta, reconhecer o vínculo biológico entre o suposto pai e o filho, bem como descobrir a autoria de crimes.
Por ser de
grande controvérsia na doutrina e na jurisprudência, falaremos sobre as duas
correntes.
Primeira corrente - Nemo tenetur se detegere
Origem histórica[1]. O direito de não auto-incriminação é de origem muito antiga, porque fundado no instinto natural de preservação (ou autoconservação). De forma bastante clara pode-se afirmar que ele nasceu (na era moderna) como refutação (civilizadora) dos horrores gerados pela inquisição (Idade Média), conduzida pelo absolutismo monárquico e pela Igreja, que tinha na confissão a prova mais suprema (a rainha das provas), podendo-se alcançá-la inclusive por meio da tortura. A cultura civilizatória foi se posicionando gradativamente contra as atrocidades do sistema inquisitivo (procedimento secreto, desrespeito ao sistema acusatório, ausência de advogado, obrigatoriedade da confissão etc.), destacando-se nesse papel crítico (denunciador), desde logo, o iluminismo e o seu prócer máximo, que foi Beccaria (que dizia: com a tortura, enquanto o inocente não pode mais que perder, porque se opondo à confissão e sendo declarado inocente, já sofreu a tortura, o culpado, por seu turno, pode até ganhar, se no final resiste à tortura e é declarado inocente).
O artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, diz que constitui direito do acusado preso de permanecer em silêncio, ou seja, o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado, entretanto o âmbito de abrangência desta norma é bem maior, tendo em vista que a maior parte dos doutrinadores considera como a máxima que diz que ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo; então esse não é um direito para quem estiver sendo acusado criminalmente, mas, antes a toda pessoa que estiver sendo acusada.
O direito de permanecer calado é apenas a manifestação da garantia muito maior, que é a do direito da não auto-acusação sem prejuízos jurídicos, ou seja, ninguém que se recusar a produzir prova contra si pode ser prejudicado juridicamente, como diz o parágrafo único do art.186 do código de processo penal: O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Este direito é conhecido como o princípio nemo tenetur se detegere.
Art.186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não
importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Esse princípio também se encontra consagrado na convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto De São José de Costa Rica, que assegura “o direito de não depor contra si mesma, e não confessar-se culpada”.
As expressões como “não se auto-incriminar”, “não se confessar culpado”, “direito de permanecer calado” estão abrangidas pela noção do princípio nemo tenetur se detegere.
Porém, alguns doutrinadores defendem que o direito de não produzir prova contra si mesmo também abrange o âmbito não processual, ou seja, ele pode ser exercido no decorrer de uma investigação criminal ou em qualquer outra esfera não penal.
Esse princípio abrange todo caso em que alguém estiver sendo obrigado a produzir prova contra si mesmo, no âmbito nacional a utilização do bafômetro e da realização do exame de DNA, são exemplos importantes.
Em relação à questão do bafômetro, o condutor não pode ser obrigado a colaborar com a autoridade competente no que diz respeito à utilização do bafômetro, pois isso violaria o seu direito de não produzir prova contra si mesmo e qualquer prova produzida nessas circunstâncias é ilícita.
Em relação ao exame de DNA em caso de exame de paternidade também há a incidência desse princípio e a recusa do réu de realizar o exame não pode ser interpretada como presunção absoluta de paternidade, apesar da súmula 301 do STJ, mas antes à presunção de paternidade resultante da recusa em submeter-se ao exame de DNA deverão ser acrescidas outras provas, produzidas pela pessoa que entrou com a ação.
Súmula 301/STJ. Família. Filiação. Investigação de paternidade. Exame DNA. Recusa do suposto pai. Presunção juris tantum. CPC, arts. 332, 333, II e 334, IV. “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.
Em outra esfera, o Código de Trânsito Brasileiro sofreu alterações com o objetivo de tornar mais rígidas as punições para quem for pego dirigindo sob efeito de álcool.
Diante dos exames acima especificados a polêmica existente entre a doutrina e a jurisprudência, ou seja, no que tange a possível violação do princípio constitucional do nemo tenetur se detegere.
Em tese, pelo princípio do princípio nemo tenetur se detegere, o Estado não poderá(ria) obrigar o acusado da prática de um ato ilícito a produzir provas que venham a incriminá-lo.
Importante dizer que, na audiência pública sobre a Lei Seca, realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, a maioria dos especialistas, parlamentares e pesquisadores ouvidos pelo Tribunal foi favorável à manutenção da regra.
Nesse diapasão, o próprio relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4103 é favorável à obrigatoriedade do bafômetro. Para o ministro Luiz Fux, “Ficou bastante claro que é absolutamente impossível esse binômio álcool e condução de veículo. Ficou também patente que não há critério seguro de alcoolemia e, em terceiro lugar, que é importantíssimo que o teste de bafômetro deve ser obrigatório sob pena de se cometer uma desobediência, porque ele tem caráter preventivo muito importante”.
Contudo, a polêmica em questão ganhou ainda mais destaque quando a Procuradoria-Geral da República deu parecer contrário à punição administrativa de motoristas que se recusam a fazer teste de embriaguez ao volante. O documento emitido pela PGR foi elaborado pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, com a aprovação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Para o Ministério Público, a regra deve ser derrubada porque é inconstitucional. “Não se permite ao Estado compelir os cidadãos a contribuir para a produção de provas que os prejudiquem”, alega Duprat.
Segunda corrente
Para começar, passamos a analisar dois pontos importantes. O exame de DNA para comprovação ou não da paternidade e o uso do bafômetro para determinar o teor de alcoolemia em motoristas de veículos automotor.
Pois bem. Tendo em vista os avanços tecnológicos se tem percebido que o exame do DNA passou a ser, para muitos operadores do direito, condição sine qua non para a comprovação da paternidade, ao argumento de uma certeza científica incontestável.
Entretanto, não existe em nosso ordenamento jurídico lei que obrigue uma pessoa a fornecer material biológico para exame de DNA. Aliás, nossa Constituição, em seu artigo 5º, II diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Colisão entre princípios
Conceito de princípios sob a ótica constitucional
Nas palavras de Miguel Reale, princípios são “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”.
Os princípios jurídicos podem ser definidos como sendo um conjunto de padrões de conduta presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento jurídico. Os princípios, assim como as regras, são normas.
Na opinião da constitucionalista Cármen Lúcia Antunes Rocha, “O Princípio é o Verbo (...) No princípio repousa a essência de uma ordem, seus parâmetros fundamentais e direcionadores do sistema normado”.
Segundo Espíndola, conclusão que se pode tirar da ideia de princípio ou sua conceituação é que:
“seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam”.
A respeito deles, observa Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Princípio- já averbamos alhures- é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”
Regras jurídicas
Canotilho define as regras como “normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, permitem ou proíbem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção.”
Humberto Ávila as define como “normas imediatamente descritivas para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência entre a conceituação da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.”
Regras são normas jurídicas que obrigam, permitem ou proíbem algo, sendo que sua aplicação depende da subsunção do fato ao que nela está descrito. Assim, ou o fato corresponde à conduta descrita na regra e ela será aplicada e sua consequência aceita, portanto válida, ou a regra não tem validade. (“all or nothing” de Dworkin citado por Ávila).
Não obstante os conceitos, os princípios que ditam os fundamentos, as razões das regras. Assim, na interpretação e aplicação das regras devem ser analisados os princípios que lhes dão suporte. As regras viabilizam os valores prescritos nos princípios Exemplo: o duplo grau de jurisdição é uma regra que expressa o princípio da segurança jurídica.
Distinção entre princípios e regras
Tendo em vista que as normas jurídicas podem se configurar como princípios e regras, é necessário avaliar a diferença entre eles.
Segundo Luís Roberto Barroso há uma diferença significativa entre princípios e regras, para ele regras “são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações”.
A regra, pelo mecanismo da subsunção deve incidir na hipótese prevista no seu relato, enquadrando-se os fatos na previsão abstrata e produzindo uma conclusão, de modo direto e automático, produzindo seus efeitos. Ou a regra regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida, na modalidade do tudo ou nada. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor. Quando estas entram em conflito só uma irá prevalecer.
Já os princípios, “contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações”, comportando uma série indefinida de aplicações.
Os princípios devem ser aplicados mediante ponderação, uma vez que frequentemente entram em tensão dialética. O intérprete, à vista do caso concreto, irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível.
Segundo Robert Alexy, a distinção entre princípios e regras torna-se evidenciada nos casos de colisão de princípios e conflitos de regras, porquanto a maneira de solucioná-los é diversa. No caso de conflito entre regras, quando não for possível introduzir uma cláusula de exceção uma das regras será considerada inválida, sendo expurgada do ordenamento jurídico, tendo assim uma dimensão de validez. Na colisão de princípios, como só podem colidir princípios válidos, acontece na dimensão do peso. Assim, quando dois princípios entram em colisão um deles prevalecerá sobre o outro e isso não significa que o princípio preterido deva ser declarado inválido, haja vista que sob determinadas condições um princípio tem mais peso ou importância do que outro e em outras circunstâncias poderá suceder o inverso.
Para que se realize efetivamente a constatação da distinção entre princípios e regras torna-se necessário a aplicação dos critérios da generalidade, do tudo ou nada, do peso e da importância e qualitativa.
Critério da generalidade
Tanto os princípios quanto as regras possuem em comum o caráter de generalidade, no entanto, a generalidade da regra jurídica é diversa da generalidade de um princípio jurídico. Para Jean Boulanger, “um princípio jurídico é senão uma regra jurídica particularmente importante em virtude das consequências práticas que dele decorrem”. No entanto para ele há entre ambos além de uma desigualdade de importância, uma diferença de natureza, verificando a diversidade de generalidade demonstra Boulanger:
“A regra é geral porque estabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos. Não obstante, ela é especial na medida em que não regula senão tais atos ou tais fatos: é editada para ser aplicada a uma situação jurídica determinada”.
O princípio, ao contrário, é geral porque comporta uma série indefinida de aplicações.
Os princípios possuem a generalidade em grau maior, haja vista que as regras contêm relatos mais objetivos, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já os princípios incidem sobre uma pluralidade de situações, tendo em vista possuírem um maior teor de abstração.
A conclusão é a seguinte: por serem mais direcionadas especialmente para certos casos as regras são menos abstratas, menos gerais do que os princípios.
Já os princípios contêm uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, indicando uma direção a ser seguida, não possuem aplicação automática ao caso concreto, “não apresentam consequências jurídicas que seguem automaticamente quando as condições são dadas.
Os princípios possuem uma dimensão do peso e da importância ausentes nas regras, podendo ser verificado quando dois ou mais princípios entram em conflito. Nessa hipótese, a colisão seria solucionada levando-se em conta o peso ou importância relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual(is) dele(s) no caso concreto prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que os outros(s).
Princípio da supremacia da constituição
Este princípio trata que a constituição é norma que está acima de todas as outras e têm seu fundamento associado ao fato de ser uma norma que funda o Estado, por ser uma norma que não foi criada por um poder legislativo constituída, secundária e sim por um poder constituinte, primário que estabelece as bases, os fundamentos para a criação das outras normas sem qualquer limitação normativa, haja vista ser possuidora de um poder supremo. Tem como característica fundamentadora de sua autoridade suprema também o fato de ser classificada com uma constituição rígida, no que se refere ao quorum exigido para que possa ser efetivada alguma alteração em seu conteúdo.
Para melhor compreensão sobre sua supremacia da constituição:
“Haja vista que, se o quorum de votação de uma lei fosse idêntico ao exigido para a realização de emendas na Constituição bastaria qualquer alteração no Código Civil ou Penal para que se revogassem disposições constitucionais que dispusessem de forma contrária, já que não existiria hierarquia entre elas, assim não haveria que se falar em inconstitucionalidade”.
José Afonso da Silva assevera que “a rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição”.
Por fim, devido a essa supremacia, nenhuma norma infraconstitucional irá subsistir validamente se for incompatível com a Constituição, ou seja, a Constituição é a norma que está acima de todas as outras, donde estas retiram sua validade formal e material sob pena de inconstitucionalidade e consequente expurgo do ordenamento jurídico.
Sendo assim, devido à essencialidade do princípio da proporcionalidade, uma vez que este é o instrumento usado pelo aplicador do direito para viabilizar a técnica da ponderação, será visto adiante suas propriedades com mais ênfase.
Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade começou a ser estudado nos últimos duzentos anos, e, atualmente, tem tido aplicação no campo do Direito no direito constitucional.
Para Paulo
Bonavides:
O princípio da proporcionalidade, enquanto princípio constitucional, somente se compreende em seu conteúdo e alcance se considerarmos o advento histórico de duas concepções de Estado de Direito: uma, em declínio, ou de todo ultrapassada, que se vincula doutrinariamente ao princípio da legalidade, com apogeu no direito positivo da Constituição de Weimar; outra, em ascensão, atada ao princípio da constitucionalidade, que deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica.
Este princípio converteu-se em princípio constitucional, por obra da doutrina e da jurisprudência, sobretudo na Alemanha e Suíça.
Na Constituição Federal de 1988 este princípio esta configurado implicitamente e pode-se vislumbrá-lo em diversos dispositivos, por exemplo: os inc.,V, X, XXV do art. 5°; os inc. IV, V, XXI do art. 7°; § 3° do art. 36 e inc. IX do art. 37”.
Solução de colisão entre direitos fundamentais pelo STF
Conforme visto, ao ocorrer à aparente colisão entre dois princípios reconhecidos pelo ordenamento constitucional, o de menor peso, de acordo com o caso concreto e condições inerentes ao caso concreto, abdica do seu lugar ao de maior valor, em uma "relação de precedência condicionada". É diferente do que ocorre com os conflitos entre regras, não são estipuladas cláusulas de exceção, pois, senão, estar-se-ia limitando o princípio constitucional para situações futuras, quando poderá preceder frente a outros valores com os quais entre em colisão. Busca-se, pelo princípio da ponderação, decidir, ante as condições do caso, qual valor possui maior peso, devendo prevalecer na situação.
A ponderação entre princípios constitucionais é tarefa das mais complexas e importantes para a manutenção da ordem constitucional coesa. Por essa razão é enorme a responsabilidade do Poder Judiciário, principalmente das Cortes Supremas dos Estados, quando do controle da constitucionalidade de leis restritivas de direitos, bem como da solução de tensões entre direitos fundamentais amparados pela Constituição, colidentes no caso concreto.
Há na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal alguns famosos casos onde foi utilizada a ponderação entre princípios fundamentais, alguns dos quais serão analisados nesse ponto do presente trabalho.
Exame de sangue forçado em investigação de paternidade. Integridade física versus direito ao conhecimento da paternidade
Um caso presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no qual se utilizou a ponderação entre princípios diz respeito a uma ação declaratória, de rito ordinário, nele uma criança investigava a paternidade de seu suposto pai. O Juízo da Segunda Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre determinou a realização de exame de DNA, com o objetivo de resolver a controvérsia. No entanto, o suposto pai se negou à colheita de sangue, sendo determinada, por essa razão, a execução forçada da ordem judicial, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Após essa decisão, em razão do suposto pai estar na iminência de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por decisão do Tribunal de Justiça, foi impetrado o pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, onde a questão foi analisada. Por uma maioria de seis votos contra quatro, o Plenário do STF concedeu o habeas corpus, após tormentosos debates.
A corrente não prevalente sustentou que o direito ao conhecimento da real paternidade da criança deveria sobrepor-se ao da integridade física do pai.
A corrente que prevaleceu liderada pelo voto do ministro Marco Aurélio entendeu, porém, que o direito à intangibilidade do corpo humano não deveria ceder, na espécie, para possibilitar a feitura de prova em juízo. Fica claro que, no caso em analise, o que se ponderou não foi o direito da criança em conhecer a identidade paterna versus a intangibilidade do corpo humano, o que se julgou foi à necessidade de forçar um ser humano a dispor da integridade do seu corpo para que se pudesse fazer prova em um processo judicial.
Para alguns a decisão do Supremo não parece ser a mais acertada ao conceder habeas corpus para o pai não fazer o exame de forma forçada, alguns entendem que o direito do filho em conhecer sua verdadeira paternidade deveria prevalecer sobre o direito à integridade física, que seria ferida de maneira mínima ao se realizar o exame de sangue.
Entretanto, deve-se ficar claro, que o que se ponderou não foi o direito do filho em conhecer a paternidade, e sim a obtenção de uma prova judicial de maneira forçada ao direito do pai de manter a sua integridade física, posto que se poderia obter a prova judicial de diversas outras maneiras.
Portanto, parece acertada a decisão do Supremo em decidir pela não imposição de realização do exame de DNA de maneira forçada nesse caso, em razão da prevalência da integridade física sobre a necessidade de realização de prova judicial.
Caso Glória Trévi.
Outro caso que tomou enormes proporções pela divulgação na mídia nacional e internacional é o suposto “estupro carcerário” sofrido pela cantora mexicana Gloria Trevi. A cantora estava sendo investigada em seu país por envolvimento em rumoroso escândalo sexual envolvendo abuso de crianças e adolescentes, em razão disso fugiu para o Brasil, sendo presa em seguida.
A cantora apareceu grávida quando estava sob custódia da policia federal brasileira. Segundo a versão da suposta vítima, a gravidez foi decorrente de um estupro praticado por policiais federais responsáveis por sua guarda. Os mesmos policiais negaram enfaticamente sua participação no crime.
O caso em tela colocava em risco a reputação das instituições brasileira, considerando a possibilidade de agentes federais terem cometido tão absurdo atentado, um crime hediondo como o estupro.
A vítima, na ocasião, não representou os supostos autores criminalmente, não podendo o Estado promover ação penal contra eventuais agressores da extraditanda.
Com o objetivo de esclarecer a questão, os policiais federais requisitaram ao Poder Judiciário brasileiro autorização para a coleta de material genético da placenta da cantora mexicana, no momento do parto, para a realização de exame de DNA com a finalidade de instruir o inquérito policial aberto para apurar das acusações de estupro.
Tal autorização foi deferida pela Justiça Federal brasileira, entretanto a cantora ingressou com reclamação frente ao STF. A extraditanda era definitivamente contrária à coleta de qualquer material a ser recolhido em seu parto. O supremo foi, em parte, favorável à cantora por entender que a autorização só poderia ser concedida por aquele Tribunal, em razão da extraditanda estar sob custódia, aguardando o trâmite do seu processo de extradição.
Apesar de haver acolhido a reclamação por usurpação de competência, no mérito, o Supremo deferiu a realização do exame de DNA com a utilização do material biológico da placenta retirada da cantora mexicana, utilizando a técnica da ponderação dos valores constitucionais em colisão.
A extraditanda utilizou de alguns precedentes em seu favor, afirmando que a Corte Brasileira considera a realização do exame como uma lesão à intimidade e à intangibilidade corporal, além de ser uma grave afronta à dignidade da pessoa humana.
O argumento apresentado a favor da cantora se pode afirmar que a “extraditanda goza, enquanto pessoa humana e mãe, do direito exclusivo de autorizar ou não a realização do exame material genético dela e de seu filho”. Considera-se ainda que a apreensão de material à sua revelia é uma extrema invasão na sua intimidade e vida privada, direitos estes protegidos pela Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos X e XLIX. Argumentos utilizados pelos advogados da autora na citada reclamação.
Em
relação aos argumentos contrários a pretensão da autora da reclamação de não se
realizar o exame de DNA pode-se citar:
“o exame de DNA seria o único meio de esclarecer as circunstâncias da gravidez e com isso apurar as responsabilidades administrativas e penais; considera-se importante que os policiais federais que se encontravam trabalhando e na custódia comprometeram-se espontaneamente a fornecer material genético; a mídia deu contornos nacionais ao caso questionando instituições brasileiras; há o interesse do outro país, México; estão envolvidos 50 policias e 11 detentos e ex-detentos com o interesse de buscar a verdade real em favor da defesa da honra e dignidade; o direito à intimidade da extraditanda é numérica e substancialmente inferior dos 61 injustiçados e da criança acerca de sua paternidade; não há qualquer procedimento invasivo na coleta da placenta, considerada como “lixo biológico”.
A partir da análise dos argumentos, decidiu-se pela realização do exame de DNA para se confirmar ou excluir a paternidade da criança pelos acusados, em consequência apurar a ocorrência do suposto estupro, ao final, realizou-se o exame e concluiu-se pela negativa da paternidade pelos policiais federais que custodiavam a extraditanda, restabelecendo-se a honra desses cidadãos, concluiu-se que o verdadeiro pai da criança era o namorado da cantora, muito embora a forma como se deu concepção permaneça um mistério.
Assim, por todo o exposto, tendo em vista a aparente colisão entre um direito fundamental e um princípio constitucional, restou imprescindível o recurso ao método de ponderação, diretamente relacionado aos princípios da unidade da Constituição, da concordância prática e da razoabilidade, em busca de uma solução que não eliminasse nem um nem outro.
[1] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da
não auto-incriminação: significado, conteúdo, base jurídica e âmbito de
incidência. Disponível em http://www.lfg.com.br 18 de novembro de 2015.
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