A publicidade comercial é uma importante ferramenta utilizada para a venda de
produtos e serviços para nossa sociedade de consumo, e que tem um alto poder de
influenciar o consumidor a adquirir tudo que é colocado no mercado. Diante
dessa tarefa atribuída à publicidade, importante observar as estratégias
utilizadas para transmitir a mensagem publicitária especialmente àquela que são
direcionadas ao público infantojuvenil.
Conceito de criança
Para
o estudo dos limites da publicidade dirigida ao público infantil e adolescente,
imprescindível se faz analisar o conceito de criança adotado pelo ordenamento
jurídico brasileiro.
Em
nossa legislação, o conceito de criança está descrito no artigo 2º do Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). Trata-se de um conceito legal e estritamente
objetivo, in verbis:
"Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e
dezoito anos de idade."
Nota-se
que a lei, em comento, faz uma distinção etária entre criança e adolescente,
ponderando tão somente o aspecto etário, desconsiderando, contudo, os
indicadores psicológicos e sociais.
No
entanto, essa classificação não é aceita por boa parte da doutrina, que tende a
entender que o limite de doze anos de idade como muito precoce para a definição de
criança, e defende que deveria ser estendido para quatorze ou quinze anos de
idade.
Sem
embargo, entendemos que independentemente do parâmetro de idade adotado para
definir a criança e o adolescente, o importante é advertir para a necessidade
de proteção delas, em condições peculiares de desenvolvimento.
A hipossuficiência da criança e a doutrina da proteção especial da
criança
As
crianças estão em processo de desenvolvimento emocional, intelectual, psicológico e social,
fato que as tornam mais vulneráveis. Por essa razão, não têm condições de
compreender a intenção da publicidade, tampouco de avaliar a credibilidade e a
adequação às suas necessidades como indivíduo.
Considerando esta condição peculiar da criança que se vislumbra a necessidade
de oferecer proteção especial a esses indivíduos diante das relações de
consumo. Neste ambiente, pode-se afirmar, ainda, que as crianças serão sempre
consideradas hipossuficientes.
Em
relação à hipossuficiência, importante destacar que esta é identificada tendo
por base critérios subjetivos, diferente da vulnerabilidade, que é aferida
mediante critérios objetivos. Na relação de consumo, todos os consumidores são
vulneráveis, mas a hipossuficiência é uma característica decorrente da
vulnerabilidade acentuada do consumidor, em determinada relação de consumo,
seja por critérios físico-psíquicos, econômicos ou circunstanciais.
A
criança, portanto, será sempre considerada hipossuficiente em uma relação de
consumo devido à natureza de sua condição de pessoa em formação. Por isso,
é fundamental que as mensagens publicitárias dirigidas às crianças sejam claras,
e as informações transmitidas sejam de fácil compreensão e, sobretudo,
respeitem a condição peculiar da criança como uma pessoa em fase de formação.
Portanto,
diante de sua peculiar condição de pessoa em processo de desenvolvimento, a
criança é merecedora de uma proteção diferenciada e uma tutela especial no
ordenamento jurídico. A proteção à infância, na sociedade contemporânea, está
dentre os mais altos valores a serem juridicamente tutelados.
É
notório que as crianças não possuem maturidade psicológica, emocional e
intelectual suficiente para entender o caráter publicitário das mais variadas
publicidades que hoje lhes são direcionadas. E é isso que inspira a tendência
do mercado publicitário contemporâneo a cada vez mais buscar a criança como
destinatário de suas estratégias.
Os limites legais e o controle da publicidade dirigida ao público
infantil
A
publicidade dirigida à criança e adolescente encontra amparo no ordenamento
jurídico brasileiro na Constituição do Brasil, no Estatuto da Criança e do
Adolescente, e no Código de Defesa do Consumidor.
Previsão constitucional
A
publicidade, enquanto instrumento da atividade econômica, é tutelada pela
Constituição republicana, no título referente à Ordem Econômica, podendo ser
restringida quando ferir outros direitos constitucionalmente protegidos, dentre
eles os verdadeiramente fundamentais, como os direitos à saúde, à educação e à
infância, dentre outros.
A
princípio, a publicidade é uma atividade lícita, faz parte da livre iniciativa
e da livre concorrência, no entanto, quando for contrária às garantias e aos
direitos fundamentais, dentre eles a proteção integral da criança e do
adolescente, previstos na Constituição Federal, deve ser prontamente repelida.
No
direito brasileiro, a Constituição Federal consagra a proteção integral a todas
as crianças e adolescentes como direito social, integrante dos direitos e
garantias fundamentais. Assim sendo, no seu artigo 227, a Carta Constitucional
imputa ao Estado e a toda a sociedade a proteção à criança com absoluta
prioridade:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão."
Como
se observa, os direitos assegurados às crianças não são, na sua maioria,
distintos daqueles conferidos a todos os cidadãos. A diferença primordial está
na previsão da proteção às crianças com absoluta prioridade, que faz com que
esses direitos devam ser protegidos de maneira especial para esse grupo.
Nesse
sentido, a publicidade dirigida ao público infantil para ser lícita deve
respeitar os direitos assegurados às crianças pela Constituição Federal. Em
outras palavras, essas proteções constitucionais são tidas como verdadeiras
restrições à atividade publicitária direcionada ao público infantil.
Diante
das restrições à publicidade, questiona-se se tais restrições representariam
uma limitação ao direito à liberdade de expressão, garantido
constitucionalmente.
Considerando
a publicidade como um ato puramente comercial, seria equivocado aproximar a
comunicação mercadológica da garantia à liberdade de expressão, uma vez que a
atividade publicitária segue uma lógica mercantil, visando essencialmente à
venda de produtos. Assim, podemos dizer que publicidade não é expressão do
pensamento, mas é ato comercial.
Seguindo
este entendimento, parte da doutrina defende que a mensagem publicitária não
pode, por si só, ser considerada uma expressão de pensamento ou opinião, por
fazer parte da atividade econômica produtiva da empresa, ou seja, é uma prática
comercial, e sendo assim deve ser realizada considerando as limitações impostas
pela Constituição Federal e as normas de proteção ao consumidor.
Portanto,
a regulamentação da publicidade infantil não deve ser interpretada como
restrição à liberdade de manifestação do pensamento, da expressão ou
informação, prevista no artigo 220, § 1º e 2º da Constituição Federal.
Estatuto da criança e do adolescente
O
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), legislação que regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal,
garante especial proteção à criança e ao adolescente.
Nesse
sentido, fundamental ressaltar o artigo 3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que reconhece os direitos fundamentais da criança e do adolescente,
veja abaixo:
"A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de
que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade."
Como
se observa na leitura dos artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, referido diploma legal reconhece que a família, a sociedade e o
Estado são responsáveis solidariamente pelo bem-estar de crianças e
adolescentes, devendo impedir que sofram com negligências, discriminações,
violências ou explorações de quaisquer ordens, inclusive mercadológica. Cada um
destes atores sociais tem uma responsabilidade diferenciada, mas igualmente
importante. Assim, pais devem zelar pela educação de seus filhos, empresas não
devem promover campanhas publicitárias direcionadas a crianças com conteúdo
inadequado para esse público e o Estado deve fiscalizar a atuação do setor
privado e também desenvolver políticas públicas capazes de garantir o adequado
desenvolvimento infantil.
O
artigo 17, por sua vez, determina a obrigatoriedade de respeito à integridade
física, psíquica e moral das crianças e adolescentes. Sendo assim, a
publicidade direcionada às crianças, aproveitando-se da sua reduzida capacidade
de entendimento, ofende tais direitos, ao induzir a formação de valores
distorcidos e hábitos de consumo inconsequentes.
O
artigo 70 do Estatuto em análise, diz que "é dever de todos prevenir a
ocorrência de ameaça ou violência dos direitos da criança e do
adolescente". O artigo 71, por sua vez, reconhece que "a criança e o
adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões,
espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa
em fase de desenvolvimento".
Por
fim, vale também citar o artigo 79 do Estatuto da Criança e Adolescente, que
estabelece uma regra pontual, destinada apenas à publicidade veiculada em
revistas voltadas ao público infantojuvenil.
"As revistas e publicações destinadas ao público
infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas
ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão
respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família."
Como
se vê, a norma disciplina tão somente os anúncios veiculados em revistas e
publicações dirigidas às crianças e adolescentes, sem fazer qualquer menção aos
demais meios de comunicação.
Portanto,
é notório que o Estatuto da Criança e do Adolescente não apresenta normas
específicas disciplinadoras da publicidade voltada ao público infantojuvenil,
mas traz um arsenal de regras e princípios importante para reprimir abusos no
meio publicitário, com objetivo de assegurar os direitos das crianças e adolescentes,
os quais devem ser observados e respeitados pelo mercado publicitário
brasileiro.
O Código de Defesa do Consumidor
O
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), destina toda uma seção de seu
conjunto normativo para regular à publicidade, demonstrando claramente a
necessidade de intervenção para proteção do consumidor.
O
CDC estabelece que toda publicidade deve ser facilmente identificável e proíbe
toda publicidade enganosa ou abusiva, conforme artigos 36 e 37 a seguir analisados.
"A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o
consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus
produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos
interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à
mensagem."
O
artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor tem por objetivo determinar uma
relação de sinceridade entre o anunciante e o consumidor.
O
artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade abusiva, e em
seu parágrafo 2º, define como abusiva, dentre outra práticas, a publicidade que
se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança.
"É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1º É enganosa qualquer modalidade
de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente
falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro
o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade,
propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória
de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a
superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da
criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o
consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou
segurança."
Este
dispositivo é uma maneira de colocar as crianças a salvo de material abusivo e
reconhece que é necessário montar uma estrutura de defesa frente aos abusos
cometidos no meio publicitário.
Assim
sendo, um anúncio publicitário que abuse da deficiência de experiência de uma
criança constitui um desvio das regras básicas do mercado de consumo, portanto
proibido pelo Código de Defesa do Consumidor.
Nesta
mesma linha de raciocínio, tratando-se de práticas que devem ser reprimidas, o
artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor define como prática vedada ao
fornecedor, àquela que prevalece da fraqueza ou ignorância do consumidor,
considerando, dentre uma das causas, sua idade.
"É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas: (...) IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do
consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social,
para impingir-lhe seus produtos ou serviços."
Da
análise dos artigos 36 e 37 do Código de Defesa do Consumidor, interpretados de
acordo com as regras de defesa dos direitos da criança, a publicidade dirigida
ao público infantil que se aproveite da deficiência de julgamento da criança é
uma prática abusiva, portanto ilegal, podendo ser tipificada nos crimes
previstos nos artigos 67 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor.
Diante
de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo
diretamente à criança. E mais, os anúncios deverão refletir cuidados especiais
em relação à segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de desmerecer
valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade,
honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio
ambiente; provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em
particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do
produto; associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua
condição sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis; impor a
noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a
inferioridade; provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis,
ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo; empregar crianças
e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou
sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas
demonstrações pertinentes de serviço ou produto; utilizar formato jornalístico,
a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia; apregoar que produto
destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características
peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares; utilizar
situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir
medo.
Inquestionável
que a publicidade na sociedade moderna tem o objetivo máximo de estimular o
consumidor ao qual se destina a adquirir o produto ou serviço objeto do anúncio
publicitário. Para tanto, a publicidade utiliza-se das mais variadas técnicas
de marketing para apresentar as qualidades dos bens anunciados, sempre com foco
em incentivar o consumo, criando, muitas vezes, necessidades que não existiam
para determinados consumidores.
Conforme
analisamos o Brasil tem um sistema misto de limitação e controle
da publicidade direcionada ao público infantojuvenil exercido, principalmente pelo
Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
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