segunda-feira, 26 de outubro de 2015

QUAIS SÃO AS RESTRIÇÕES QUANTO A PRODUTOS E SERVIÇOS NO TOCANTE À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE?


A publicidade comercial é uma importante ferramenta utilizada para a venda de produtos e serviços para nossa sociedade de consumo, e que tem um alto poder de influenciar o consumidor a adquirir tudo que é colocado no mercado. Diante dessa tarefa atribuída à publicidade, importante observar as estratégias utilizadas para transmitir a mensagem publicitária especialmente àquela que são direcionadas ao público infantojuvenil.

Conceito de criança

Para o estudo dos limites da publicidade dirigida ao público infantil e adolescente, imprescindível se faz analisar o conceito de criança adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Em nossa legislação, o conceito de criança está descrito no artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). Trata-se de um conceito legal e estritamente objetivo, in verbis:

"Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade."

Nota-se que a lei, em comento, faz uma distinção etária entre criança e adolescente, ponderando tão somente o aspecto etário, desconsiderando, contudo, os indicadores psicológicos e sociais.

No entanto, essa classificação não é aceita por boa parte da doutrina, que tende a entender que o limite de doze anos de idade como muito precoce para a definição de criança, e defende que deveria ser estendido para quatorze ou quinze anos de idade.

Sem embargo, entendemos que independentemente do parâmetro de idade adotado para definir a criança e o adolescente, o importante é advertir para a necessidade de proteção delas, em condições peculiares de desenvolvimento.

A hipossuficiência da criança e a doutrina da proteção especial da criança

As crianças estão em processo de desenvolvimento emocional, intelectual, psicológico e social, fato que as tornam mais vulneráveis. Por essa razão, não têm condições de compreender a intenção da publicidade, tampouco de avaliar a credibilidade e a adequação às suas necessidades como indivíduo.

Considerando esta condição peculiar da criança que se vislumbra a necessidade de oferecer proteção especial a esses indivíduos diante das relações de consumo. Neste ambiente, pode-se afirmar, ainda, que as crianças serão sempre consideradas hipossuficientes.

Em relação à hipossuficiência, importante destacar que esta é identificada tendo por base critérios subjetivos, diferente da vulnerabilidade, que é aferida mediante critérios objetivos. Na relação de consumo, todos os consumidores são vulneráveis, mas a hipossuficiência é uma característica decorrente da vulnerabilidade acentuada do consumidor, em determinada relação de consumo, seja por critérios físico-psíquicos, econômicos ou circunstanciais.

A criança, portanto, será sempre considerada hipossuficiente em uma relação de consumo devido à natureza de sua condição de pessoa em formação. Por isso, é fundamental que as mensagens publicitárias dirigidas às crianças sejam claras, e as informações transmitidas sejam de fácil compreensão e, sobretudo, respeitem a condição peculiar da criança como uma pessoa em fase de formação.

Portanto, diante de sua peculiar condição de pessoa em processo de desenvolvimento, a criança é merecedora de uma proteção diferenciada e uma tutela especial no ordenamento jurídico. A proteção à infância, na sociedade contemporânea, está dentre os mais altos valores a serem juridicamente tutelados.

É notório que as crianças não possuem maturidade psicológica, emocional e intelectual suficiente para entender o caráter publicitário das mais variadas publicidades que hoje lhes são direcionadas. E é isso que inspira a tendência do mercado publicitário contemporâneo a cada vez mais buscar a criança como destinatário de suas estratégias.

Os limites legais e o controle da publicidade dirigida ao público infantil

A publicidade dirigida à criança e adolescente encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro na Constituição do Brasil, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e no Código de Defesa do Consumidor.

Previsão constitucional

A publicidade, enquanto instrumento da atividade econômica, é tutelada pela Constituição republicana, no título referente à Ordem Econômica, podendo ser restringida quando ferir outros direitos constitucionalmente protegidos, dentre eles os verdadeiramente fundamentais, como os direitos à saúde, à educação e à infância, dentre outros.

A princípio, a publicidade é uma atividade lícita, faz parte da livre iniciativa e da livre concorrência, no entanto, quando for contrária às garantias e aos direitos fundamentais, dentre eles a proteção integral da criança e do adolescente, previstos na Constituição Federal, deve ser prontamente repelida.

No direito brasileiro, a Constituição Federal consagra a proteção integral a todas as crianças e adolescentes como direito social, integrante dos direitos e garantias fundamentais. Assim sendo, no seu artigo 227, a Carta Constitucional imputa ao Estado e a toda a sociedade a proteção à criança com absoluta prioridade:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Como se observa, os direitos assegurados às crianças não são, na sua maioria, distintos daqueles conferidos a todos os cidadãos. A diferença primordial está na previsão da proteção às crianças com absoluta prioridade, que faz com que esses direitos devam ser protegidos de maneira especial para esse grupo.

Nesse sentido, a publicidade dirigida ao público infantil para ser lícita deve respeitar os direitos assegurados às crianças pela Constituição Federal. Em outras palavras, essas proteções constitucionais são tidas como verdadeiras restrições à atividade publicitária direcionada ao público infantil.

Diante das restrições à publicidade, questiona-se se tais restrições representariam uma limitação ao direito à liberdade de expressão, garantido constitucionalmente.

Considerando a publicidade como um ato puramente comercial, seria equivocado aproximar a comunicação mercadológica da garantia à liberdade de expressão, uma vez que a atividade publicitária segue uma lógica mercantil, visando essencialmente à venda de produtos. Assim, podemos dizer que publicidade não é expressão do pensamento, mas é ato comercial.

Seguindo este entendimento, parte da doutrina defende que a mensagem publicitária não pode, por si só, ser considerada uma expressão de pensamento ou opinião, por fazer parte da atividade econômica produtiva da empresa, ou seja, é uma prática comercial, e sendo assim deve ser realizada considerando as limitações impostas pela Constituição Federal e as normas de proteção ao consumidor.

Portanto, a regulamentação da publicidade infantil não deve ser interpretada como restrição à liberdade de manifestação do pensamento, da expressão ou informação, prevista no artigo 220, § 1º e 2º da Constituição Federal.

Estatuto da criança e do adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), legislação que regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, garante especial proteção à criança e ao adolescente.

Nesse sentido, fundamental ressaltar o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que reconhece os direitos fundamentais da criança e do adolescente, veja abaixo:

"A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade."

Como se observa na leitura dos artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, referido diploma legal reconhece que a família, a sociedade e o Estado são responsáveis solidariamente pelo bem-estar de crianças e adolescentes, devendo impedir que sofram com negligências, discriminações, violências ou explorações de quaisquer ordens, inclusive mercadológica. Cada um destes atores sociais tem uma responsabilidade diferenciada, mas igualmente importante. Assim, pais devem zelar pela educação de seus filhos, empresas não devem promover campanhas publicitárias direcionadas a crianças com conteúdo inadequado para esse público e o Estado deve fiscalizar a atuação do setor privado e também desenvolver políticas públicas capazes de garantir o adequado desenvolvimento infantil.

O artigo 17, por sua vez, determina a obrigatoriedade de respeito à integridade física, psíquica e moral das crianças e adolescentes. Sendo assim, a publicidade direcionada às crianças, aproveitando-se da sua reduzida capacidade de entendimento, ofende tais direitos, ao induzir a formação de valores distorcidos e hábitos de consumo inconsequentes.

O artigo 70 do Estatuto em análise, diz que "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violência dos direitos da criança e do adolescente". O artigo 71, por sua vez, reconhece que "a criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em fase de desenvolvimento".

Por fim, vale também citar o artigo 79 do Estatuto da Criança e Adolescente, que estabelece uma regra pontual, destinada apenas à publicidade veiculada em revistas voltadas ao público infantojuvenil.

"As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família."

Como se vê, a norma disciplina tão somente os anúncios veiculados em revistas e publicações dirigidas às crianças e adolescentes, sem fazer qualquer menção aos demais meios de comunicação.

Portanto, é notório que o Estatuto da Criança e do Adolescente não apresenta normas específicas disciplinadoras da publicidade voltada ao público infantojuvenil, mas traz um arsenal de regras e princípios importante para reprimir abusos no meio publicitário, com objetivo de assegurar os direitos das crianças e adolescentes, os quais devem ser observados e respeitados pelo mercado publicitário brasileiro.

O Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), destina toda uma seção de seu conjunto normativo para regular à publicidade, demonstrando claramente a necessidade de intervenção para proteção do consumidor.

O CDC estabelece que toda publicidade deve ser facilmente identificável e proíbe toda publicidade enganosa ou abusiva, conforme artigos 36 e 37 a seguir analisados.

"A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem."

O artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor tem por objetivo determinar uma relação de sinceridade entre o anunciante e o consumidor.

O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade abusiva, e em seu parágrafo 2º, define como abusiva, dentre outra práticas, a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança.

"É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança."

Este dispositivo é uma maneira de colocar as crianças a salvo de material abusivo e reconhece que é necessário montar uma estrutura de defesa frente aos abusos cometidos no meio publicitário.

Assim sendo, um anúncio publicitário que abuse da deficiência de experiência de uma criança constitui um desvio das regras básicas do mercado de consumo, portanto proibido pelo Código de Defesa do Consumidor.

Nesta mesma linha de raciocínio, tratando-se de práticas que devem ser reprimidas, o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor define como prática vedada ao fornecedor, àquela que prevalece da fraqueza ou ignorância do consumidor, considerando, dentre uma das causas, sua idade.

"É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços."

Da análise dos artigos 36 e 37 do Código de Defesa do Consumidor, interpretados de acordo com as regras de defesa dos direitos da criança, a publicidade dirigida ao público infantil que se aproveite da deficiência de julgamento da criança é uma prática abusiva, portanto ilegal, podendo ser tipificada nos crimes previstos nos artigos 67 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor.

Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. E mais, os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação à segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente; provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto; associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis; impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade; provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo; empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto; utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia; apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares; utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo.

Inquestionável que a publicidade na sociedade moderna tem o objetivo máximo de estimular o consumidor ao qual se destina a adquirir o produto ou serviço objeto do anúncio publicitário. Para tanto, a publicidade utiliza-se das mais variadas técnicas de marketing para apresentar as qualidades dos bens anunciados, sempre com foco em incentivar o consumo, criando, muitas vezes, necessidades que não existiam para determinados consumidores.

Conforme analisamos o Brasil tem um sistema misto de limitação e controle da publicidade direcionada ao público infantojuvenil exercido, principalmente pelo Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

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